14 de outubro de 2008

O Olhar de Jesus


Apesar de estar acostumado à rudez que a profissão obrigava, o comandante de uma das tropas que compunham o exercito, cuja meta principal era perseguir os seguidores daquele homem que se dizia o “Filho do Altíssimo”, já se cansava daquela vida. A idade lhe roubava as forças, e, diante de tantos relatos dos milagres no meio do povo, já não sabia se aquilo lhe instigava mais ódio, motivando-o a continuar com a perseguição, ou se algo naquele homem misterioso mexia com sua alma endurecida.
Seus sonhos eram perturbados constantemente pela presença daquele homem quem nem conhecia e de quem só ouvira falar. Perturbado, acordou naquela manhã decidido a invadir o local onde se reuniram, no final do dia, o homem e seus seguidores.
Chegando com sua tropa próximo ao local, pôde ver que muitos aleijados, mulheres e crianças, além de homens simples, encaminhavam-se para a beira do lago. A euforia tomava conta de seus rostos e nem a presença da tropa armada os influenciava a retornar ou parar. O comandante, à medida que se aproximava, foi sentindo taquicardia e pensou estar beirando a morte. Também por isso avançou mais decidido ainda, pois, se morresse naquele instante, pelo menos teria cumprido o ato heróico de primeiro entregar aquele homem, que considerava fora-da-lei, aos seus superiores.
As pessoas pareciam ignorar a presença dos soldados, e, atentas, ouviam Jesus falar sobre um reino onde a justiça existia e o amor imperava. Abrindo caminho entre a multidão e a poucos metros de Jesus, o comandante abriu a boca para dar voz de prisão, mas nada pronunciou, pois suas mandíbulas travaram, e, quando o homem a quem perseguia levantou os olhos de encontro aos seus, ele cegou. Aquele olhar se direcionou a ele como uma luz tão intensa que seus olhos escureceram e ele tombou do cavalo, sendo socorrido por seus soldados.
Não foram só seus olhos que receberam a luz daquele homem. Em choro convulsivo, ele drenava do peito a culpa e ordenava ao seu exército que se retirasse dali. A dor que sentia não era em seus olhos, mas em seu coração. Aquele olhar o havia cegado para o mundo físico e aberto sua visão interior, em que a escuridão invadia, já por toda uma vida.
Desnorteado, desligou-se do exército e se recolheu a uma caverna, vivendo a pão e água. Apesar de sua rigidez, era muito estimado por vários de seus soldados, principalmente por um a quem confiava suas ordens mais secretas. Este, vendo seu comandante, até então homem forte, decidido, quase imbatível, jogado como um mendigo sem poder enxergar, desesperou-se e, em ato solidário, furou seus olhos, cegando-se também.
O Mestre Jesus não havia cegado com seu olhar amoroso. Lançou a ele um olhar de compaixão, acionando suas trevas interiores que, pela rudeza e incapacidade de entendimento, traduziu-se como cegueira. Na verdade, muitos de nós ainda hoje preferimos fechar os olhos para a Luz, se esta nos pedir qualquer transformação interior. É mais fácil cegar do que enxergar a verdade, e, por isso, permanecemos perambulando nas trevas de nossas ignorâncias, quando nos bastava abrir as portas do coração.
- Esta é a história desses dois homens que há pouco estavam ajoelhados diante da preta velha, meu cambono. Hoje pai e filho; outrora o comandante e seu solidário soldado. A cegueira da época transformou a perseguição ao Mestre Jesus na fé inabalável que hoje têm pela figura do Cristo. Porém, ainda estão latentes as culpas que carrega dentro de seu inconsciente por ter se acordado diante da inusitada oportunidade que teve de se tornar um seguidor de Jesus. Mostrando toda a sua misseira inteiro, preferiu se enclausurar e abandonar a vida, levando consigo aquele moço que furou os próprios olhos para demonstrar solidariedade a ele. O gesto do rapaz o desesperou mais ainda, pois, diante daquilo, teve a certeza de que até sua amizade fazia mal às pessoas.
Por ora, suas ressonâncias negativas foram acionadas dramaticamente pelos últimos acontecimentos. O rapaz, hoje seu filho, apresenta problema sério de visão, diagnosticado como trombose do fundo do olho, tendo que se submeter a uma cirurgia, sem contar as dores constantes que vem sofrendo.
- Minha preta, mas se passaram mais de dois mil anos e ainda esses filhos trazem as marcas dos erros cometidos naquela época??
- Tudo fica gravado na tela holográfica universal, para que nada se perca aos olhos da Lei. Não importa, quantos séculos se passaram ou quantas encarnações já vivenciaram, aquilo que ainda marca o corpo energético dos filhos está pedindo resgate. Só o corpo físico nos possibilita a frenagem e limpeza do espírito, por isso, cambono, é preciso ter o máximo respeito e cuidado com ele. No universo nada dá saltos, e ainda existe o respeito absoluto pelo livre-arbítrio. Quem sabe quantas oportunidades se fizeram nesse intervalo de tempo para que tudo já estivesse resolvido? Ter as oportunidades é uma coisa, aproveitá-las e outra. A pressa em evoluir é individual, pois o tempo de Deus é a eternidade. Quanto a nós, temos pressa, mas, a passo lento e desse jeito, perdemos valiosas oportunidades. Mas, como diz negro velho: “é no andar da carroça que as abóboras se acomodam”. Tudo a seu tempo, cambono. Tudo a seu tempo!


Causos de Umbanda, Vovó Benta (psicografado por Leni W. Saviscki). Páginas 157 – 159

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