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12 de maio de 2009

O valor da ajuda

Sempre tive curiosidade para saber quem são as pessoas que se valem de albergues filantrópicos para serem neles hospedadas. Quais são suas dificuldades, como despencaram na escala social a ponto de não terem um lar ou uma moradia, que caminhos percorrem para voltarem à vida normal etc.?

Pois recebi um e-mail impactante, um homem que já foi professor e cursou a universidade teve, por essas quebradas da vida, de socorrer-se do abrigo noturno do Instituto Espírita Dias da Cruz.

O seu relato é emocionante. Quantos milhares já não tiveram essa experiência? A quantas e quantas pessoas o Dias da Cruz e outras entidades filantrópicas já ajudaram e recuperaram suas vidas?

Transmito aos leitores esta sublime aventura e lembro que hoje em Zero Hora há encartado um boleto de ajuda bancária ao Dias da Cruz.

***

“Acabei de ler tua coluna e não tive como me conter. Precisei mesmo desabafar e me colocar à disposição da campanha por aquela casa que é o motivo de eu estar cidadão digno na terra gaúcha. Espero que possas aproveitar meu testemunho e até por isso escrevi de forma compacta.

Claro que a história é rica e emocionante, mas em ocasião propícia contarei detalhes. Desde tempos, venho pensando numa forma de expressar gratidão pelos que lá me acolheram e vi no texto da tua coluna que o momento de agir chegou.

Sou porteiro em um condomínio horizontal no Três Figueiras. Leio ZH quando chega, toda madrugada, e a edição de sábado, 9 de maio, me estimulou a escrever o presente testemunho.

Considero-me culto, pelos livros que li e pelas atividades artísticas em que estive envolvido, como artes plásticas, teatro e literatura de cordel. Já fui universitário e cursei História na Universidade Federal de Mato Grosso do Sul. Curso esse que acabei não concluindo por motivo alheio à minha vontade. Dei aulas de história e literatura durante 11 anos, além de trabalhar em bibliotecas e museus no meu Estado. A bagagem de todas essas atividades me levaram a imaginar um projeto de incentivo à leitura que hoje tenho como revolucionário. Em agosto se completam quatro anos de que desembarquei no boxe 48 da rodoviária de Porto Alegre com o dito projeto debaixo do braço e embriagado na mais pura utopia de querer transformar o mundo e garantir um futuro melhor para a humanidade. Porém, com o currículo de curso superior incompleto e atividade profissional toda ligada à área cultural, não foi nada fácil conseguir uma colocação no mercado de trabalho na capital gaúcha. Passando por algumas peleias, precisei amparar-me em um abrigo. Entrei na fila do albergue Dias da Cruz e fui recepcionado por ‘Seu Carlos’, que exigiu RG e tratava todos os desvalidos como ‘irmãozinhos’. O ano era 2007, precisamente final de janeiro e começo de fevereiro. Vi no interior da instituição muito além de um aconchego material humanizante. Vi um corpo de voluntários praticantes sinceros de valores cristãos.

Ressalto a importância dessas pessoas para a recuperação de cada indivíduo que ingressa na casa. Ao contar minha história ao Seu Carlos, pedi por caridade que me conseguisse uma tesoura, 1 quilo de cola e um punhado de jornais velhos para que pudesse fazer trabalhos manuais. Ele e mais uma boa alma do centro me conseguiram o que pedi, e em pouco tempo estava eu alugando um quarto na Vila São José. A solidariedade que encontrei quero retribuir de todo o coração e firmo compromisso de engrossar a campanha citada na coluna do Paulo Sant’Ana. Cada ser humano que na casa Dias da Cruz tem pouso digno é carregado de histórias com altos e baixos. Minha história é apenas mais uma. Quero somar minha história à nobre luta dos que fazem do albergue Dias da Cruz um lar de fraternidade. (ass.) Wagner Rondora da Silva (rondorasilva@gmail.com)”.


PAULO SANT’ANA
12 de maio de 2009 | N° 15967
Zero Hora

5 de maio de 2009

A consciência


Se autoestima é a valorização de si próprio, sempre me intrigou o que hão de pensar os canalhas sobre si mesmos.

Será que o canalha pensa que está certo? Será que ele não vê que é canalha?

Em outros termos, será que as pessoas têm isenção para olhar para si próprias?

***

Eu digo isso porque não sei se sou uma pessoa boa ou correta. Eu tenho uma dúvida sobre minha conduta. Uma dúvida muito séria: será que eu não tinha o dever ético e social de ajudar mais os outros do que eventualmente eu possa estar fazendo ou já ter feito?

Será que não estou sendo omisso no meu comportamento social? Eu não teria de ser mais benigno e solidário em determinadas situações por que passei com relação aos outros?

Será que não me omiti quando tive a oportunidade de levar à frente ações beneficentes a pessoas da minha proximidade ou até mesmo a gente distante de mim, que, no entanto, por pertencerem ao meu círculo familiar ou social, mereciam de mim maior atenção e ajuda?

***

Isso é uma forma de se olhar no espelho. Isso é o que se pode chamar de consciência.

Será que não tenho contrariado ou molestado o meu senso de responsabilidade?

Será que, diante dos atributos que a natureza e/ou a minha formação me concederam, eu não tenho sido falho ou omisso com alguns dos meus semelhantes e isso possa tê-los ofendido ou prejudicado gravemente?

***

Será que não é muito benévolo o julgamento que faço dos meus atos? E o que será que pensam de mim as pessoas com quem cruzei ou tenho vínculos sanguíneos?

Será que por comodidade ou por falta de coragem eu não deixei de atender à integração obrigatória que teria de cumprir com meu meio ou com a minha condição?

Será que as pessoas não esperavam mais de mim e eu, que tinha condições para atendê-las, não o fiz por entender erradamente que não era meu dever?

***

Será que só fiz o que pude quando o certo era fazer mais do que pudesse, deixando de pensar demais em mim e me dedicando de corpo e alma à tarefa de ajudar e compreender os outros.

Afinal, quem sou eu, sou justo ou iníquo perante o julgamento alheio ou da minha história?

E o meu papel? Será que cumpri o meu papel e atendi às expectativas da minha capacidade e das necessidades dos outros.

Ou, então, será que muitas vezes por covardia deixei de me esforçar para ser atencioso, carinhoso, dadivoso, pródigo com quem necessitava vitalmente da minha mão amiga e acabei abandonando no meio da estrada estas pessoas aflitas?

***

Afinal, será que a desculpa que sempre dei de que a vida é uma batalha e a gente tem de pensar em si próprio para não ter de amargar desventuras patrimoniais no futuro (ou até mesmo no presente), licenciando-se assim para despreocupar-se com os outros, não terá sido exagerada, abandonando à própria sorte pessoas que tinha o dever de amparar, de conduzir, de consolar?

Será que pertence só a mim esta faculdade de fazer um balanço da minha vida, ou todos se debruçam com essa preocupação para a possibilidade de virem a ser julgados pela posteridade, se é que já não o foram pela contemporaneidade?

Deve ser a isso que se chama consciência.

E a consciência dói, ela punge, ela devora, ela queima por dentro como ácido.

Não bastavam as dificuldades da vida e ainda somos obrigados a saldar contas com a nossa consciência.


PAULO SANT’ANA
05 de maio de 2009 | N° 15960
Zero Hora