13 de maio de 2009

Equívocos na política de saúde mental, por Fernando Lejderman*


Desde 1996, a Organização Mundial da Saúde reconhece que quatro doenças mentais depressão, abuso de álcool, transtorno bipolar e esquizofrenia estão na lista das 10 doenças mais onerosas em pessoas com idade entre 15 e 44 anos. Levando-se em consideração que os danos autoprovocados, como suicídio e tentativas de suicídio, são consequências de doenças mentais e que na maioria das vezes estamos frente a problemas crônicos, estima-se que cinco das 10 principais causas de incapacidade são atribuídas aos transtornos psiquiátricos. Assim, como diz a psiquiatra americana Nancy Andreasen, a mensagem para o século 21 é clara: a comunidade médica e a sociedade em geral não podem se dar ao luxo de ignorar as doenças mentais.

Nas últimas décadas, o atendimento aos doentes mentais no mundo inteiro deslocou sua atenção dos grandes hospitais psiquiátricos para o tratamento em redes ambulatoriais especializadas, centros de atenção primária em medicina e serviços comunitários. Um dos principais problemas nessa mudança do paradigma é não contar com uma rede ambulatorial suficientemente capacitada para prover o atendimento daquelas pessoas afetadas por transtornos mentais.

A realidade da assistência psiquiátrica brasileira, que desde o início dos anos 90 tem sido alvo da famosa “reforma psiquiátrica”, segue a política do Ministério da Saúde de fechar leitos psiquiátricos sistematicamente. Nos últimos 20 anos, foram fechados 80 mil leitos sem a necessária ampliação do atendimento ambulatorial realizado nos CAPS (Centros de Atenção Psicossocial). O próprio Ministério da Saúde reconhece, segundo dados oficiais de dezembro de 2008, que possuímos hoje cerca de 1.326 CAPS, número que consegue atender a apenas aproximadamente 55% da população brasileira. A alternativa de novos leitos psiquiátricos nos hospitais gerais encontrou as mais diversas resistências e não se concretizou conforme a expectativa inicial. Foram abertas somente 2,6 mil vagas psiquiátricas em hospitais gerais no Brasil neste mesmo período.

O panorama atual da assistência em saúde mental no Brasil revela uma situação preocupante e caótica. Os doentes mentais são encontrados nas ruas, como mendigos, em presídios, como criminosos, implorando um lugar nas poucas emergências psiquiátricas superlotadas. A epidemia do crack já é uma realidade: estima-se que atinja 55 mil pessoas somente no Estado do Rio Grande do Sul. Esses fatos vêm recebendo atenção de diversos setores da sociedade e estão sendo denunciados na imprensa, como, por exemplo, o depoimento do poeta e escritor Ferreira Gullar, a declaração do deputado federal Germano Bonow e o posicionamento de instituições como a Associação Brasileira de Psiquiatria e Sindicato Médico do Rio Grande do Sul.

Nesse contexto de negação da importância das doenças mentais, é fundamental reconhecer e, sobretudo, apoiar a iniciativa da Associação Brasileira de Psiquiatria, que, por meio de seu presidente, João Alberto Carvalho, protocolou, durante o mês de abril, no Ministério Público Federal, uma representação que alerta para o não cumprimento, por parte da Coordenadoria de Saúde Mental do Ministério da Saúde, da Lei Federal 10.216/2001, da Portaria nº 1.101/2002 (que estabelece o índice de 0,45 leito por cada mil habitantes para atender a demanda de internação psiquiátrica no Brasil) e da Portaria nº 1.899/2008 (que criou o Grupo de Trabalho sobre Saúde Mental nos Hospitais Gerais).


ARTIGOS
13 de maio de 2009 | N° 15968
Zero Hora
*Presidente da Associação de Psiquiatria do Rio Grande do Sul

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